terça-feira, 21 de outubro de 2008


PÊPE, MEU PAI.
Meu pai foi morar no hospício logo depois que eu nasci. Ele ficava atordoado com choro de criança. Minha vó dizia que eu chorava muito. Quando cresci um pouco, duas ou três vezes ao ano ele vinha e ficava lá em casa. Quatro dias no máximo. Depois ia embora levando uma pasta cheia de desenhos que fazíamos juntos. Nesses períodos minha mãe desaparecia de casa. Minha vó ficava cuidando da gente e sempre encontrava um jeito de estar por perto e me dizer: Tenha cuidado, seu pai é nervoso, qualquer coisa grite.
Meu pai quase não falava, às vezes ficava um longo tempo me olhando, até seu olhar se perder no nada.
Uma vez por mês eu ia com a minha vó visita-lo no hospício, levávamos lápis de cor, cartolina e ele me dava os desenhos que fazia por lá. Eu colava eles na parede do meu quarto. Gostava de ficar olhando os desenhos até adormecer. Eram super-heróis negros, brancos, verdes, azuis, magros, obesos, carecas e desdentados, sentados nas torres dos edifícios, abraçados à ursinhos. Meninos e meninas empunhando metralhadoras, sorvendo mamadeiras e chupetas. Executivos se divertindo em gangorras e rodas gigantes. Gatos enamorados de ratos, peixes que flutuavam no céu e flores, muitas flores, com caules transmutados em serpentes.
As vezes ele me ligava no meio da noite e dizia que me amava, pedia que eu atravessasse as ruas com cuidado, que se pudesse evitasse o álcool, o cigarro e que tivesse carinho com o meu coração. Falava sempre muito baixo,era difícil entender. Eu achava graça do jeito dele.
- Eu ainda sou criança, Pêpe. Eu dizia.
­- Eu sei meu anjo, ele respondia e ficávamos em silêncio até que ele desligava o telefone sem dizer mais uma palavra. Depois disso eu ficava olhando os desenhos, mas não conseguia dormir.
Um dia ele saiu do hospício e não apareceu lá em casa. Hoje faz trinta anos. Nunca mais soube dele.


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